Alex Sant'anna - Baião Amargo
- Acorde
- 5 de mai. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de jan. de 2021
Alex Sant'anna lança seu terceiro álbum, reafirma suas origens e corre do óbvio como o diabo foge da cruz
por Alisson Mota
Pesquisa estética, filosófica e cultural, reafirmação do próprio corpo e desempenhar o trabalho para construir sínteses: essas foram as etapas que Alex Sant'anna atravessou para chegar ao seu Baião Amargo, que não é forró.
Estudando o Baião
Tudo começou antes mesmo do lançamento do antecessor, Enquanto Espera (2015). Ali Alex Já começava a se ligar em algumas questões relacionadas à negritude. Foi lendo coisas, deixou o cabelo black crescer... Lançou o EP Insônia em 2017 e logo após veio a certeza: queria um disco que fosse mais preto, que reafirmasse sua identidade enquanto negro.
A partir dessa vontade, o compositor começou a pesquisar sobre música negra. "Eu não queria fazer a chamada black music ou algo parecido, até porque tudo que é música pop é influenciada por algum tipo de música negra", revela Alex, que continuou pesquisando para achar suas referências.

"Foi quando eu vi uma matéria da Socialista Morena falando uma teoria do porquê a música negra norte-americana não tem batucada, onde fala que os negros eram proibidos de tocar tambor porque esses eram usados como meio de comunicação e esse contexto deu origem a outras manifestações, como o sapateado", explica.
Enxergando a poesia e reivindicando sua história, ele concluiu que de fato queria também os tambores na sua musicalidade, justamente por essa característica de comunicação. 'Desceu', geograficamente falando, para a música negra caribenha, latina, até chegar no Brasil.

A síntese foi o baião. 'Eu queria mesmo uma música negra mais brasileira, cheguei no baião que é uma música negra nordestina e adotei como norte para o meu disco. Mas sempre tendo claro que eu não queria um disco de forró", conta. E de fato, Baião Amargo está milhas distante de ser um disco que possa ser encaixado, rotulado e 'emprateleirado' como um disco que pertence a somente um gênero musical.
Elementos de música negra de diversos cantos do mundo e do Brasil, como a cumbia, o samba, coco, ciranda, afrobeat e até mesmo a black music, ajudam a compor a teia que é o álbum. Na verdade ele transcende todas essas influências e mostra também que é antenado, trazendo muitas novidades nas suas referências, que, embora sejam preferencial e predominantemente negras, também contam com artistas fora desse universo.
Se, nas referências, é possível identificar Gilberto Gil, é possível identificar Radiohead. Se você chega à conclusão que tem muito de Tom Zé, também há a referência pop alternativa de Xenia Rubinos. Com isso, Alex mostra que há espaço para sinergias: coloca sua negritude no âmago da concepção e execução do trabalho, mas aceita pitacos de fora que ajudam a colocar o trabalho numa linguagem mais abrangente, sem fazer concessões.

Importante salientar que a afrocentralidade do projeto não se limita à sonoridade que Alex quis empregar. As inúmeras participações especiais, a escolha dos profissionais envolvidos no trabalho - desde a gravação até a arte da capa - e as referências das peças visuais são explicitamente negras. O grande lance está em não cair na obviedade, colocando toda essa potência numa comunicação ampla - e eficaz.
Amargura alto-astral
O 'amargo' do título já é bem claro pra quem acompanha o trabalho de Alex. "Minhas letras são mais introspectivas e, diferente do baião que eu fazia com a Naurêa, o meu baião sempre teve um quê mais deprê, mais pra baixo", brinca o compositor.
Com o arcabouço musical e temático consolidado, Alex se voltou a fazer as composições para o álbum. Baião Amargo é o primeiro em que o compositor se voltou completamente para produzir canções a serem lançadas juntas, a ser concebido como um único trabalho na sua totalidade.

"Diferente dos meus outros discos, Aplausos Mudos, Vaias Amplificadas (2004) e Enquanto Espera (2015), neste disco eu acabei compondo só para ele. O primeiro foi uma coletânea de composições que fiz em um determinado período, já o segundo demorou tanto tempo pra gravar que acabou sendo da mesma forma", revela.
Baião Amargo revela Alex tal qual ele é, com suas inúmeras potencialidades. Marca o amadurecimento do artista do ponto de vista filosófico e, sobretudo, do ponto de vista estético. São várias camadas de interpretação que se revelam a cada ouvida. Escrevendo esta matéria, a cabeça já fez várias conexões do álbum com conceitos robustos presentes na história da música, como o Afrofuturismo de Sun Ra. Mas é melhor que você ouça o disco e depois, quem sabe, esse papo dê uma esticada.
Ficha Técnica
Gravado no DR5 Estúdio por Leo Airplane e Douglas Reis entre julho e dezembro de 2019 em Aracaju-SE
Voz de Marco Vilane gravada na Casa Capello por Everson Vilela, São Paulo-SP
Voz de Isaar gravada por Rama Om, na Casa Duz Amigos, Recife-PE
Voz de Karla Lamboglia gravada por Rolando Torrealba no EARS, Panamá
Voz de Diane Veloso e coros gravados por Leo Aiplane e Pritty Reis no Maca Records, Aracaju-SE
Produzido por Leo Airplane
Produção Executiva: Nah Donato e Alex Sant'Anna
Mixagem e Masterização por Leo Airplane no DDB Estúdio
Abraão Gonzaga: Guitarra
Alex Sant'Anna: Voz
Betinho Caixa D'Água: Percussão
Danyel Nanume: Bateria
Leo Airplane: Teclado
Rafael Ramos: Baixo
Conceito e arte: Carol Patriarca e Larissa Vieira
Composição Gráfica: Carol Patriarca
Participações especiais:
Diane Veloso: Voz em Por um clique e Backing Vocal em Bora lá bailar
Isaar: Voz em Esquecimento
Jaque Barroso: Voz em O Peso das Coisas
Karla Lamboglia: Voz em Tudo em seu lugar
Luiz Oliva: Guitarra em Morrendo em Paz
Marco Vilane: Voz em Algo Novo
Coro em Esquecimento: Diane Veloso, Flávia Prudente, Mamah, Mayra Felix, Nicole Donato, Prity Reis, Taya e Thiara Meneses
Coro em O Peso das Coisas: Diane Veloso, Flávia Prudente, Jaque Barroso, Jessica Carvalho, Mamah, Mayra Felix, Nicole Donato, Prity Reis, Taya e Thiara Meneses
Coro em Morrendo em paz: Abraão Gonzaga, Baruch Blumberg, Betinho Caixa D’Água, Leo Airplane, Maycol Mundoca e Alex Sant’Anna
Coro em O Pacto: Diane Veloso, Flávia Prudente, Mamah, Mayra Felix, Nicole Donato, Prity Reis, Taya e Thiara Meneses
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