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The Baggios: Cidadãos da Mata

Atualizado: 6 de mai. de 2020

Dissecamos Vulcão e trocamos uma ideia com os caras. Depois de turnê na Europa, a banda não pára. Lança clipes, faz turnê nacional e planeja muito mais


por Alisson Mota

Foto: Felipe Diniz

“Virei cidadão da mata”. É assim que Julico canta e define o personagem da faixa-título do disco Vulcão, que ganhou clipe no dia 5. Como a passagem sugere, neste disco a The Baggios escolheu trilhar um caminho diferente, quase diametralmente oposto àquele adotado para a narrativa de Brutown (2016), marcado pelo caos da cidade e a política conturbada.


A banda parece recorrer ao fugere urbem enquanto busca pela calma, saúde, reflexão. Mas se engana quem pensa que essa fuga tem passividade. Muito pelo contrário, representa reenergização. Mais força para enfrentar o que vem pela frente.



O clipe de Vulcão é uma continuação de outro clipe já lançado. Bem-Te-Vi apresenta angústias e a dor, com a música calma, baseada no violão. Já Vulcão vem na analogia que a banda pensou pro disco, é quando a banda aparece e acontece a erupção. Ali o personagem já é cidadão da mata, mas consciente da escolha e com a percepção crítica do mundo que a gente vive. Escolhi por um mundo cercado de cor/ Desisti de onde os ratos reinavam sem dó.


Outro clipe está previsto para ser lançado, o de Limaia.


De onde saiu esse Vulcão?

Para além do que se quis passar no disco, a The Baggios aplicou o conceito também na produção de Vulcão. Começando pela pré-produção, onde os caras decidiram se isolar, sair da cidade pra poder começar a dar corpo ao que viria ser o álbum. “Peguei 18 ou 20 músicas que eu tinha feito demos, mostrei pros caras e fomos pruma chácara no povoado Areia Branca, no Mosqueiro, onde passamos cerca de 4 ou 5 dias trabalhando nelas”, revela Julico. “Armamos todo o circo da parada, colocamos os instrumentos pela casa e a gente ficou imerso pra produzir”, comenta Rafael Ramos, mais recente integrante oficial da banda, que gravou os baixos e teclados do disco.


Esse processo de pré-produção coletiva ajudou a chegar nesse resultado diferente na sonoridade e, claro, no processo de produção. “A gente ficou convivendo junto, tocando, fazendo algumas jams, mas sempre querendo ver como tava saindo o som, pra levar a coisa mais pronta pro estúdio”, revela Perninha.


Vulcão, assim como Brutown, foi gravado no Toca do Bandido e a produção do trabalho, segundo Julico, foi bem rápida. “Gravamos em julho, mixamos em agosto com Leo Airplane, aqui em Aracaju, em setembro lançamos o primeiro single e em outubro o disco já tava no ar”, comenta. A banda foi contemplada por um dos editais da Natura Musical em 2017 para gravar o trabalho.


O resultado foi o que a crítica musical definiu, em muitas oportunidades, como o melhor trabalho da banda até então - ou pelo menos o mais elaborado, com conceitos e caminhos mais coesos e carregados de significado. E esse caminho começou a se desenhar na cabeça de Julico ainda em 2017. “Eu lembro de ter feito o rascunho da música Vulcão em Goiânia, durante uma turnê da banda”, revela.

Ele juntou vários rascunhos e já percebia um caminho nas composições no fim de 2017, quando pensou no título. “É uma analogia ao ser humano, de ser aquela criatura que transparece ser uma pessoa tranquila, mas por dentro é cheia de conflitos, dúvidas, angústias, ansiedade... O Vulcão pra mim significa algo que parece estático, mas que por dentro borbulha, queima”. A partir desse insight, se desenvolveu o fio condutor do trabalho.


Nesse tempo, o compositor aprendeu a fazer gravações em casa, onde ficou cerca de 2 meses em pesquisa. Em março de 2018, as demos começaram a ser mais desenvolvidas, com Perninha e Rafael. “Aí foi massa, porque vi as músicas surgindo de forma mais orgânica”, comenta Julico.


O fato de ter mais elementos no som da Baggios, com a entrada de Rafael e a adição da percussão, deu mais liberdade para a banda. “Vejo que minha entrada dá uma crescida no som, com a adição de um instrumento harmônico, que cria uma ‘cama’ para as músicas, possibilitando que Julico e Perninha usem os instrumentos como não era possível enquanto duo”, completa Rafael.


E esse som diferentão?

Julico conta que o disco é fruto de pelo menos dois anos de reflexões, perguntas e mergulhos no interior, “despertando pra uma parada mais espiritual”. “Nunca segui uma religião, mas sempre tive crença em seres superiores”. Nesse processo, ele começou a busca pelas doutrinas orientais, meditação, que influenciaram o disco tanto na sonoridade quanto no conceito. “O disco foi uma soma dessa minha busca com a descoberta de ritmos novos, como o desert blues, afrobeat, música etíope, turca... isso me trouxe uma percepção diferente da guitarra e outra forma de compor, diferente da música ocidental”, explica.


O compositor cita nominalmente a banda Tinariwen e o guitarrista tuaregue Bombino. O afrobeat de Fela Kuti e o ethiojazz de Mulatu Astatke certamente estão na lista de influências de Vulcão. “Eu queria fazer algo diferente aqui no Brasil, com referências ainda pouco exploradas. A música brasileira veio muito forte, a essência do rock tá ali e entendo a música como uma releitura das minhas referências, voltada pra um mundo mais particular”, completa.


Importante observar que algumas bandas ao redor do mundo já têm buscado explorar essa sonoridade fora do ocidente. Exemplo disso é a banda australiana King Gizzard & Lizard Wizard, que levou essa influência ao extremo. A partir da construção de uma guitarra chamada Flying Microtonal Banana, que dá nome a um dos 5 discos lançados pela banda em 2017, a sonoridade passou a beber na fonte da música microtonal, muito presente na Índia e no Oriente Médio.


A partir disso, todos os instrumentos de cordas contavam com trastes entre os trastes, ajudando a alcançar a microtonalidade, num resultado sincretizado entre o rock psicodélico e a música oriental. Outro exemplo é a banda texana Khruangbin, forjada sob as influências da música africana e oriental, além do funk americano.


Importância do EP Juliana na discografia

“É difícil trazer esse universo particular, pessoal, para a música e reproduzir isso ao vivo”, revela Julico quando perguntando sobre o EP e seu significado para o compositor e o papel dele na discografia da banda. O trabalho veio na mesma leva do Brutown, mas são músicas que têm um universo próprio. “São três músicas que se comunicavam entre si, mas ao mesmo tempo não se completavam tanto dentro do Brutown, apesar de fazer parte do mesmo contexto”, completa.



A música Juliana foi composta ainda entre 2011 e 2012, depois de sua irmã ser vítima de feminicídio. “A música já falava de coisas que a gente vive hoje em dia, sobre os tempos sombrios e como as pessoas dão importância à barbárie, à violência, ao medo, deixando esquecer o lado mais vivo, humano”. Ela fala especificamente sobre a perda e saudade, de uma forma bem pessoal.


Julico avalia que a música, no contexto do EP, saiu no momento certo. Ele também avalia a importância de se colocar na arte como um exercício de expressão. “Eu vejo o álbum como uma fotografia do momento, que sintetiza uma vivência muito profunda”.


Turnês e intercâmbio

A The Baggios recentemente esteve em turnê por São Paulo, fazendo uma série de shows na capital e no interior, onde Perninha avalia como uma das melhores realizadas pela banda. “Essa última turnê teve um aprendizado foda, conhecemos e reencontramos várias pessoas, deu pra pegar alguns shows e um festival nos dias livres. É massa esse contato, essa circulação de arte. Voltei pra Aracaju renovado e inspirado”, comenta.


Banda em ação no Sesc 24 de Maio. Foto: Victor Balde

Eles entendem as turnês como essenciais, tanto na circulação da música como no estreitamento de laços com outras cenas, outros artistas. Prova disso é a participação de nomes relevantes no cenário independente brasileiro nos últimos trabalhos da banda. “O fato de estarmos sempre circulando fez com que Pupillo e a Nação Zumbi vissem dois shows da banda, levaram Céu pra ver o show... Bem assim com a BaianaSystem, porque Beto (Roberto Barreto) já viu a gente tocando em Salvador, colocou a gente no programa Radioca, que hoje também é um festival. Tá tudo conectado”, acrescenta Julico. Tanto Céu quanto BaianaSystem participam de Vulcão.

Neste ano a banda também fez seu primeiro rolê na Europa. Foi cerca de um mês tocando quase todo dia, o que amadureceu a banda, colocou os caras em contato com outras bandas e culturas, além de aprimorar o entrosamento. Ou como Julico disse, “comendo as músicas com farinha”.


Em 2020 eles pretendem voltar à Europa, para passar por lugares que ainda não foram, firmar parcerias com selos locais e focar também na participação em festivais. A meta é colar no Velho Continente pelo menos uma vez por ano. A banda ainda faz mais shows no Rio de Janeiro e São Paulo e tem a ambição de fazer shows no sul do país, quase inexplorado.


De rolê pela Europa. Foto: Bruno Montalvão

Identidade local

Apesar de ser uma das bandas independentes do Nordeste que mais circulam, a The Baggios enxerga como essencial permanecer em Sergipe. A reflexão sobre se mudar para São Paulo é recorrente, mas a opção de continuar na terra natal tem a ver com manter a identidade da banda mais intimamente ligada à Sergipe e também por qualidade de vida.


“Vejo (em São Paulo) uma cidade muito intensa, caótica, ainda que tenham pessoas que se arriscam e tentam viver em outro ritmo para manter a saúde mental, a saúde física... e mesmo que indiretamente, viver lá influencia na música, traria outra percepção e acho que se vivêssemos lá, Vulcão seria um diferente ou até mesmo outro disco. O que não é necessariamente melhor ou pior, mas diferente”, comenta Julico. “Acho que em continuar aqui a gente carrega o que é nosso, o sotaque, a vivência e as cores que existem à nossa volta”, completa.


Num exercício de auto-análise, os caras avaliam que é importante continuar por aqui também para servir como referência e motivação para se continuar fazendo arte pelas bandas de cá. “Tem um lance de representatividade, de mostrar caminhos possíveis para as bandas daqui. É tipo como acontece com Bacurau, a gente leva nossa identidade pra fora, mas isso bate diferente pra quem é do Nordeste, de Sergipe”, compara Perninha.


“Vejo que a gente também tá cumprindo um papel de levantar a autoestima daqui, ter uma banda de São Cristóvão que circula, que é indicada a prêmios e o Grammy, quando tudo começou há 15 anos, começando a tocar no interior do estado”. Perninha ainda comenta que tudo isso pode contribuir para o desenvolvimento de uma cena em Sergipe, que contém muita produção de arte.


“Tem muita coisa foda sendo produzida no estado e que precisa ser escoada, divulgada. Tamo empurrando esse barquinho, mas queremos levar todo mundo, porque é preciso que se olhe mais para a música feita no estado, enxergando mais como uma cena. E isso é bom pra todo mundo, bom para toda a cadeia produtiva, bom para os profissionais... Isso mexe com tudo”, finaliza o baterista.


Virada, vinil e Fasc

Há cerca de 4 meses a banda não se apresenta em Sergipe. O fim desse hiato ocorre em 2 de novembro em show na Virada Cultural, tocando na mesma noite que Ave Sangria, banda que a Baggios já dividiu palco em 2015 no Festival de Inverno de Garanhuns e que se apresenta pela primeira vez em Sergipe. Na oportunidade, também farão o lançamento do vinil de Vulcão, dando um caráter comemorativo ao show.


Depois disso tem o Fasc, que é sempre o show mais esperado pela banda, tanto por tocar em casa, para as pessoas de São Cristóvão, quanto pelo que significa o festival e os novos ares que ele confere à cidade. “Com a retomada depois de 12 anos, dá pra perceber como o clima da cidade mudou, é muito bonito ver a arte na rua, a movimentação, você vê a cidade viva”, comenta Perninha.


“O Fasc pra mim significa o renascimento de São Cristóvão. Acho que a cidade tava precisando ver as pessoas sorrindo, arte na rua, acreditando no potencial da cidade. As pessoas estão com outro aspecto, respirando outro ar. Foram 10 anos de tempos sombrios, sem muitas notícias boas e investimentos na cultura. Minha expectativa neste ano é a mesma do primeiro ano”, avalia Julico, que completa dizendo que o show no Fasc será especial, com um repertório mais voltado à São Cristóvão.



Neste ano a banda não vai para Las Vegas acompanhar a cerimônia de premiação do Grammy Latino, pelo show já agendado no Fasc – a cerimônia é dia 14, o show é dia 15. “Vamo torcer de longe dessa vez, vai que dá sorte”, brinca Julico. “Se a gente ganhar, maravilha! E se rolar vai ser melhor ainda de comemorar no Fasc... ia despirocar, tomar pisa macio até não aguentar mais”, finaliza Perninha, com uma gaitxadinha.

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