Fasc 2019 e o novo rock sergipano
- Acorde
- 4 de dez. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de dez. de 2019
Cidade Dormitório, Madame Javali e Taco de Golfe fazem shows hipnóticos no festival e seguram o bastão do rock alternativo
por Alisson Mota

Eu costumo sair de São Cristóvão depois do Fasc sempre de alma lavada. São sempre dias muito intensos, com muita coisa acontecendo para onde quer que se olhe. Nesta primeira experiência de cobertura do aCorde num evento desse tamanho, é especialmente difícil balancear as prioridades de cobertura. Até porque nos três anos em que o festival foi retomado, houve shows que seriam muito difíceis de acontecer em Sergipe, a exemplo de BaianaSystem, Gilberto Gil e Afrocidade, que, por questões logística$, dificilmente colocarão os pés aqui no estado num futuro próximo.
Mas não são essas atrações o alvo deste texto. O relato aqui tem mais a ver com o que o Festival de Artes de São Cristóvão tem conseguido proporcionar nos últimos anos para a cena autoral de Sergipe. E é o que eu entendo como prioritário na retomada do festival. Na real, minha viagem tem sido de ver como o rock sergipano continua vivo e se remodelando, bebendo de diversas fontes e formando uma identidade. Todas as bandas de Sergipe que se apresentaram no Fasc são muito originais.
Depois dos shows que vi no festival, ficou claro o potencial que temos aqui. A riqueza lírica e melódica trazida pela Madame Javali, a melancolia sem par da Cidade Dormitório e a inventividade antenada da Taco de Golfe são sinais dessas potencialidades. Ficou claro também o quanto é necessário ter espaços para que esse potencial seja explorado. Inclusive comercialmente, até porque artista não vive de luz, como as plantinhas.
Sergipe já teve - e ainda tem - bandas que conseguiram algum destaque na cena do rock independente nacional. A Snooze circulou bastante pelo país e é uma referência histórica no shoegaze brasileiro. A Lacertae é uma pérola sempre revisitada pelos pesquisadores da música pelo ineditismo nas suas canções. Mais recentemente, a The Baggios se consolidou como uma das bandas mais originais do rock brasileiro, ainda que Julico faça questão de dizer que a banda não é mais só de rock.
E parece que agora, em meio à tanta coisa acontecendo nas cenas por aí, Sergipe também desponta com bandas de elevadíssima relevância artística. E isso não se verifica só na minha opinião - de fã, inclusive -, mas pelo que eu vi nos shows dessas três bandas da nova geração. Elas que prendem a atenção do público, com apresentações que encaixam com uma luva em festivais e que se mostram, a cada apresentação, mais certas e seguras do próprio trampo.
Fotos: Felipe Goettenauer | @fgoette
O show da Madame Javali, por exemplo, apresenta uma potência que não tá inteiramente demonstrada no disco lançado na primeira metade desta ano, Luz Dentro do Caos. Ao vivo a Madame soa bem mais pesada e muito mais expressiva pela imponência da performance de Allan Jonnes, poeta e vocalista da banda. Se com somente um disco de oito músicas, com uma produção modesta, já dá pra sentir esse vigor sensível, imagine quando a banda conseguir uma maior organicidade, gravar em melhores condições e adquirir mais rodagem nos palcos.
Fotos: Felipe Goettenauer | @fgoette
Já a Cidade Dormitório gravita em torno dos devaneios de Yves Deluc. A banda, cujo som já foi definido pelo colega Rian Santos como um "rock de inflexão lombrada", lançou o disco que consolidou várias músicas que já eram a cara da banda há algum tempo. Eu tive algumas restrições ao primeiro EP deles, Esperando o Pior, por uma simples questão de gosto. Com Fraternidade-Terror debaixo do braço, a banda já parece muito mais identificada e seguindo um caminho etéreo que tem mais a ver com o nilismo apresentado desde o primeiro trabalho, mas que lá que acabou sendo ofuscado pela estética garageira de um rock direto e reto.
Fotos: Felipe Goettenauer | @fgoette
E a Taco de Golfe. Impressionante notar como a banda evoluiu nesses dois anos desde o começo, com o EP Cato. E essa evolução se intensificou neste ano, quando a banda fez, em maio, uma turnê que passou por lugares importantes como a Formemus, uma feira de música em Vitória-ES. Essa experiência deu o pontapé para o amadurecimento do som do grupo e, principalmente, das apresentações ao vivo. Em breve publicaremos reportagem sobre a trajetória deles, mas por aqui já dá pra dizer que a Taco de Golfe é uma banda que tem uma das melhores apresentações ao vivo do Brasil.
Aqui, longe de ser um exercício de futurologia, a gente pretende mostrar que o rock alternativo, tão maltratado nos últimos anos pela bundamolice proporcionada pelo show business, encontra na cena de Sergipe um respiro, tanto na atitude, quanto na riqueza estética. São três bandas da nova geração que estão pegando o bastão e levantando o sarrafo das produções roqueiras em Sergipe, mesmo com todas as dificuldades de fazer música pelas bandas de cá. Fique de olho.
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