Álbuns sergipanos da década - a lista de Rian
- Acorde
- 22 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 27 de mai. de 2020
São 10 álbuns lançados entre 2010 e 2019
por Rian Santos
É impossível realizar uma lista como a que me foi proposta por Alisson Mota, editor do aCorde, sem pisar no coração de uns e outros. A seleção, não tem como ser diferente, resulta sempre arbitrária. Para eleger dez, condena-se à fogueira todos os demais.
Isso posto, aviso logo, aqui não tem arrego. O próprio Alisson deu um jeitinho, a fim de ficar de bem com todo mundo. Exemplo este seguido pelo DJ Rafa Aragão. Para mim, ao contrário, dez discos são dez discos. O artifício da menção honrosa desmerece o trabalho dos excluídos. Os bons álbuns que fatalmente ficarão de fora não merecem o constrangimento infantil dos prêmios de consolação.
Abaixo, segue a minha seleção, com breve descrição do modo como cada registro foi
percebido aqui em casa. Não passa de uma pequena mostra do poder de fogo da cena Serigy, além de um agradecimento sincero. Sem exagero, os discos aqui reunidos me emocionam até os nervos. Se eu fosse de chorar, diria até as lágrimas.
Nota do editor: as listas de álbuns da década são, antes de crítica, divulgação dos bons trabalhos de Sergipe. As listas de menções honrosas, que Rian critica, foram veiculadas com o intuito de divulgar e catalogar mais álbuns, além daqueles eleitos como melhores.
Cabedal – O Novo Pastiche & O Pastiche Novo (2010)

Parece que os caras amarraram o diabo na munheca. Além das letras inspiradas, canções como Emplastro Brasileiro, Menina, O Girassol do Teu Vestido e Batucada possuem uma pegada irresistível, cujo ápice é a explosão do wah-wah de A Consolação.
Café Pequeno – Voz de dentro (2015)

As seis faixas do disco são pontuadas pela intenção manifesta de um encontro musical com o sergipano do interior profundo. Talvez por isso, o ritmo esteja agora mais presente e bem marcado nos arranjos, em comparação com o registro anterior do conjunto, o bem sucedido Na Cozinha de Badyali.
Do prelúdio batizado Menino da Praia, passando por oportuna homenagem ao gigante Cobra Verde, até o abraço carinhoso no espectro alucinado de Arthur Bispo do Rosário, na outra ponta do disco, há um esforço muito saliente no sentido de dar volume a vultos e valores esquecidos aqui no fim do mundo. Um exercício de reconhecimento.
Cidade Dormitório – Fraternidade-Terror (2019)

O primeiro álbum da banda Cidade Dormitório caiu na rede com o peso de uma comédia psicodélica nonsense. A atmosfera das faixas é a de uma bad sem fim. Há humor, aqui e ali, mas cáustico.
Não se trata de fazer tempestade em copo d'água, como a inflexão lombrada do vocalista Yves pode induzir um ouvinte desatento a imaginar. Mas de virar o romantismo (e, por extensão, as diferentes formas de sociabilidade) pelo avesso.
Fred Andrade + Membrana – Um Dia (2018)

O guitarrista Fred Andrade é um sujeito cagado de sorte. Professor do departamento de música da Universidade Federal de Sergipe, ele veio à terrinha sem saber de alma viva. E, no entanto, contra todas as expectativas mais razoáveis, encontrou comparsas à altura de suas ambições criativas, firmou parcerias com vocação para durar a vida inteira.
No mapa da música nacional, Sergipe não passa de um intervalo, uma mancha apagada à borracha. Pernambuco, a terra natal de Fred, ao contrário, desenvolveu um mercado pujante, capaz de influenciar decisivamente a indústria nacional, a ponto de inverter o fluxo de produção e consumo de bens simbólicos, cantando de galo no terreiro desde sempre dominado pelo sul maravilha. Assim, para mudar de mala e cuia, trocando Boa Viagem pela faixa de areia interminável de nossas praias, ele teve de assumir alguns riscos. E tinha tudo para dar com os burros n’água.
Para a felicidade de Fred, contudo, o talento genuíno não tem nada a ver com a força da grana, prescinde de capital e políticas públicas. Se a criação de um mercado local de música esbarra sempre nos podres poderes, o florescimento de instrumentistas e compositores de mãos cheias deriva sempre do investimento pessoal, além de atender a uma disposição natural do espírito. A erudição do sete cordas Ricardo Vieira, mais a vibração singular do grupo Membrana, por exemplo, são a prova muito viva de que, neste particular, Sergipe é uma terra de gigantes.
Maria Scombona – UnNu (2012)

A Maria nunca se apresentou tão confortável e caceteira. Uma banda despida de artifícios, com competência e cara dura para gravar o disco inteiro num tapa, sem os excessos dos overdubs, amparada exclusivamente pelos calos dos músicos e pela naturalidade expressa no sotaque de um compositor à vontade para soltar o verbo como bem entendeu.
Plástico Lunar – Dias Difíceis no Suriname (2015)

Um fruto nunca cai longe do galho. O desacreditado Dias Difíceis no Suriname, segundo disco oficial da Plástico Lunar, não faz muito arrodeio antes de reivindicar o status conquistado em alguns dos palcos mais importantes do país. O riff rasgado na faixa de abertura entrega o ouro. Tratamos aqui de uma banda de rock orgulhosa e consciente da própria condição.
Renegades of Punk – Coração Metrônomo (2013)

Nas palavras de Daniela Rodrigues (guitarras e vocais), Coração Metrônomo pode ser definido como “a mesma merda de sempre”. Singelo. O pior é que faz sentido. Vigoroso, o disco faz justiça ao ideário de músicos apegados às próprias premissas, apesar dos dogmas vigentes nos círculos fechados pelos quais transitam. O batismo da banda pode até ser fruto de uma brincadeira, como li, por acaso, numa entrevista, mas desconfio que também não se deu à toa.
Sandyalê – Um no Enxame (2014)

Vira e mexe aparece alguém para apertar o F5. O refresh aqui em questão é obra e graça de Sandyalê, que emprestou uma voz cheia de personalidade a meia dúzia de compositores locais, sangue novo e cheio de gás, atualizando as referências musicais a disposição dos curiosos com os pés enterrados na poeira da aldeia. Bem a tempo.
The Baggios – Sina (2013)

Diferente do cachorro que persegue o próprio rabo e passa a vida inteira dando voltas no mesmo lugar, a coerência dos Baggios não os impediu de explorar todas as possibilidades expressivas ao alcance de um duo de blues/rock.
Além de carregar as influências evidentes no pretérito da banda (ecos de Hendrix, muito stoner rock e Raul Seixas, notadamente), as novas canções parecem arredias às amarras da forma. É possível identificar elementos estranhos à seara cultivada ao longo de quase uma década, do funk ao xote. A guitarra de Julico berra alto como nunca.
Taco de Golfe – Folge (2018)

É de cair o cu da bunda. Timbres e dinâmica, assinatura inconfundível, remetem a Cato, o EP lançado antes. Os loops de guitarra, a arquitetura circular dos temas, convidam a uma espécie de transe. Depois que o sujeito aperta o play, o eu subjetivo não manda em nada. Além da música, afirmação de si mesma, resta o mundo inteiro – rumor e barulho.
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